sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A melhor coisa que você pode fazer por um filho é ter outro.

Sou filha única. Essa semana meu pai fez uns exames no hospital, nada preocupante. Fiquei na sala de espera, aguardando que ele voltasse dopado pela melhor droga do mundo: a da endoscopia (você já experimentou? É sensacional!). Enquanto esperava, fantasiei. Tenho a maldita mania de dramatizar tudo. Imaginei que ele estava internado ali e que eu esperava por notícias de sua saúde. Fui acometida por um golfo súbito e indiscreto de tristeza que fez saltar lágrimas de todos os buracos da minha face. A recepcionista me olhou assustada e, tentando doçura, avisou “é um exame muito simples, sem riscos, ele volta em trinta minutos no máximo”.
Pedi licença, sem me explicar (eu não sei me explicar, sou louca, só isso) e me tranquei no banheiro mais próximo. Chorei vinte e sete minutos ininterruptamente naquele banheiro. Senti uma solidão profunda, devastadora, invencível, arrebatadora e inexplicável. Abracei a lamúria até ser despertada por uma velhinha da fila da colonoscopia: ela precisava mais do banheiro do que eu. Quando meu pai saiu, eu estava firme e piadista. Como sempre. Sou sempre firme e piadista com meus pais. Mas por dentro eu estou morrendo. Meus pais estão com 65 e 70 anos. O mais velho é meu pai. Podem durar mais vinte anos, eu sei. Mas pela primeira vez na vida comecei a pensar na morte deles. O problema é que eles envelheceram e eu não. Eu continuo com 12, 13 anos. Firme e piadista por fora…mas assustadíssima e carentíssima por dentro.
Mas onde quero chegar com tudo isso? Não quero chegar, quero voltar. Quero voltar pro útero de mamãe e me dividir em duas. E me dar um irmão. Alguém nesse mundo que possa se trancar comigo em um banheiro improvável e chorar porque, um dia, nossos pais vão simplesmente desaparecer. Eu tenho amigos, muitos. Eu tenho uns parentes por aí também. Mas não tem jeito, eu sou ridiculamente sozinha nessa vida. Eu sei, tem gente que tem irmão e nem olha na cara dele. Eu sei, nossos irmãos de verdade são os nossos amigos. Mas não é de uma amizade pura e perfeita e presente que estou falando. Eu estou falando de existir mais alguém nesse mundo que, um dia, divida comigo essa dor incomensurável de perder um pai ou uma mãe. Saber que a história da minha infância se encerra em mim é tão terrível que acho que virei escritora por isso. Talvez se eu me contar, eu exista. Talvez se eu me lembrar, eu exista. Ter um irmão é ter, pra sempre, uma infância lembrada com segurança em outro coração.
Eu queria ter alguém que dividisse comigo todas as maravilhas e todas as desgraças de ter nascido com esse pai e essa mãe. Eu queria ter, quando meus pais se sentem sozinhos ou decepcionados ou apertados de grana, apenas metade da culpa gigantesca que é ser um filho. Eu queria ter, nos jantares alegres e também nos insuportáveis, apenas metade dos méritos. Enfim, a endoscopia não deu nada. Os exames de sangue do meu pai estavam melhores do que o meu. O manobrista do hospital deu 25 reais. O trânsito da volta estava um caos. Meu pai disse as coisas mais engraçadas do mundo no carro, por causa da melhor droga do mundo. Essas todas eram coisas que eu queria muito dividir com alguém. Sobrou pra você, leitor.
                                                         Tati Bernardi                                                                                                       

[De todas as verdades existentes acho que essa é uma das que mais doi e que mais me deixa preocupada...]

Ps.: Tati, pare de falar sobre a minha vida em seu blog, obrigada.

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